18/05/2009

PESSOAL DA CE CHOCADO COM O QUE VIU EM BENGUELA

CARTA ABERTA À 9ª COMISSÃO DA ASSEMBLEIA NACIONAL
(COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS, PETIÇÕES, RECLAMAÇÕES E SUGESTÕES DO CIDADÃO)

Excelências,

Tomei a liberdade de rabiscar este pequeno artigo, em jeito de carta aberta dirigida à vossa comissão, atendendo às suas atribuições. Numa passagem rápida pela província de Benguela, por inerência das actividades que desempenho, visitei no dia 27 de Abril de 2009 alguns projectos sociais ali desenvolvidos.

Um deles, denominado Promoção dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências nas províncias de Benguela, Huíla e Huambo, cujo beneficiário é a Liga de Apoio à Integração dos Deficientes (LARDEF), tem como objectivo contribuir para a integração social e económica das pessoas portadoras de deficiências, sendo, por isso, um dos principais resultados esperados, que as pessoas portadoras de deficiência conheçam os seus direitos, através das leis.

Por ocasião da visita, deparei-me com um grupo de mulheres que, até ao momento, a única coisa que as diferenciava de mim era a paralisia dos membros. É um grupo que está associado ao projecto da LARDEF, mas que tende a tornar-se numa associação angolana de integração de mulheres com deficiência. Estavam elas um pouco tímidas com a nossa presença, mas firmes nas suas decisões, ternas, amamentando algumas os seres dependentes.

Diziam:
“Nós estamos a estudar, precisamos de nos formar para ajudarmos outras mulheres com a nossa condição, que vivem nos outros municípios, precisamos de trabalhar, solicitamos créditos mas os juros são muito altos quando nos são concedidos então desistimos. Fazemos costura quando nos aparecem clientes, mas ficamos paradas muito tempo pois a matéria prima para fazermos artigos para revenda não está ao nosso alcance. E nós não estamos só preocupadas com os nossos direitos, precisamos de conhecê-los sim, mas acima de tudo a nossa ânsia é a formação, para também termos em conta OS NOSSOS DEVERES”.

“Estão a ser construídos muito edifícios sem se ter em conta a adaptação às necessidades das pessoas com deficiência, escasseiam os meios de compensação. O que for feito não significa que será apenas para nosso benefício, nós já nascemos com essa condição e estamos a sobreviver, é importante dizer que poderá ser para benefício de todas as pessoas pois a vida prega muitas partidas e a cidadã ou o cidadão com todos os seus membros hoje, poderá amanhã ser um cidadão ou cidadã como nós. E o que sucederá?”. Isto marcou-me deveras e deixou-me a pensar: como é estranha a natureza humana! Pessoas que poderiam estar depressivas, que sofrem algumas descriminações, mas que têm muita vontade de viver e de vencer. Que nobreza, o sentido da utilidade e da contribuição para o desenvolvimento do país, apesar de tudo.

Sras e Srs, estas e estes cidadãs/ãos, aguardam, há cerca de quatro anos, de acordo com a informação prestada pelo coordenador do projecto, por resultados da Lei Base para a Pessoa Portadora de Deficiência. Com certeza que no pretérito dia 5 de Setembro de 2008 pensaram: vamos votar para legalmente ser eleito aquele que dará seguimento ao que aguardamos há bastante tempo. Esperançosos estavam.

Continuando o programa, foi visitado também o antigo centro 16 de Junho, no Lobito (bairro da lixeira), actualmente local de assentamento de jovens moradores de rua, com péssimas condições de habitabilidade, onde os jovens e suas famílias residem em tendas, muitas das quais no tempo de chuva, estão susceptíveis a incêndios tal é o improviso para a sobrevivência. Eles reclamam pela falta de emprego e pelo humilhante apoio alimentar que a Administração tem levado àquela comunidade. Dizem receber de vez em quando fuba de milho e óleo vegetal em quantidades insuficientes, pois não têm outras alternativas. Palavras como: “há 20 anos que estamos na rua, não queremos ser eternos dependentes, só queremos que legalizem esta zona e distribuam equitativamente um terreno por família. Muitos de nós já têm formação profissional, com o apoio da Igreja e então poderemos construir as nossas próprias casas. Não queremos ter visitas só para verem como nós estamos, queremos sim que nos ajudem a encontrar soluções para a nossa situação. O que seria de nós sem o apoio da associação OMUNGA?”

Enormes dificuldades têm também as mães afectadas por HIV, que vivem no centro acima citado e, como não podem amamentar os seus filhos, afirmam: “por falta de recursos já nos confrontámos com o óbito dos bébés por fome.” A maior parte delas desistem de fazer o tratamento porque justificam :“ os medicamentos são muito fortes e sem comida não dá!”

Longe de querer ensinar o Padre a rezar a missa, apenas como sugestão, termino: Preocupação sim com a reconstrução das infra-estruturas do País, bastante visível, mas preocupação, acima de tudo, com o tecido social e humano.



ÁUREA MACHADO


Sem comentários: