07/09/2009

ENTREVISTA - OPINIÃO

A CAPITAL. De Benguela chegam-nos notícias tão contrastantes como são, por exemplo, o famoso jardim milionário e a ponte sobre o rio Catumbela em vias de ser inaugurada. Qual é a verdadeira face dessa província: a corrupção, personificada pelo jardim, ou o desenvolvimento, personificado pela nova ponte?
J.P. Não me parece que possamos analisar as coisas de forma tão simplista. Nem sei se os exemplos apresentados, representam em si só os rótulos que se lhes colam nesta questão ou seja, se o jardim apenas representa corrupção ou se a ponte só representa desenvolvimento. Um jardim pode ser sinónimo ou representar desenvolvimento. Pelo menos assim deveria ser. Não é o jardim em si, mas o que transpira para nós (cidadãos) é possivelmente a falta de transparência das coisas. Uma coisa que reclamo sempre (precisamente) é a falta de jardins no processo de (re)urbanização do Lobito. Os jardins (os poucos que existiam) desapareceram ou foram parcialmente privatizados. Mas precisamente a existência ou não de espaços verdes numa cidade, é um indicador do seu desenvolvimento urbanístico ou (antes pelo contrário) do seu “des”desenvolvimento.

Por outro lado a ponte, também pode não significar desenvolvimento. Por exemplo poderemos perguntar: seria necessário uma obra daquela envergadura para um rio como o rio Catumbela? Tem sido suficientemente transparente a sua construção? Daqui poderíamos até perguntar: porque tivemos que nos deparar com trabalhadores chineses numa obra cuja empreiteira é uma empresa portuguesa e o projecto é do Estado angolano? E ainda: porque continuamos todos em engarrrafamentos enquanto a ponte já está pronta e continua fechada ao trânsito à espera da inauguração? Quanto se gasta ou se perde com estes engarrafamentos de trânsito? Serão estes indicadores de desenvolvimento?

Não podemos negar as mudanças com que nos deparamos. Não podemos negar que possivelmente estamos a investir mal. Se olharmos para as obras da Odebrecht na via que liga a entrada do Lobito (vindo de Benguela) até aos Bombeiros podemos considerar um verdadeiro atentado a um compromisso arquitectónico que deveríamos ter de uma cidade harmoniosa, sustentável e inclusiva. Ao vermos essa extensão de betão, sem qualquer arborização, sem bancos para descanso, sem locais para lixo e com enormes obstáculos arquitectónicos para qualquer pessoa idosa, obesa, ou portadora de deficiência, mulheres grávidas e crianças, podemos (e devemos) ficar preocupados com o tipo de cidade que estamos agora a construir e projectar.

O Lobito está-se a tornar num verdadeiro aborto arquitectónico. Num espaço “stressante”, desarmonioso e desagradável. Desarticulado e sem plano. Possivelmente acredita-se que os enormes espaços executivos vêm para requalificar a cidade. Antes pelo contrário, vêm desarmonizar e desarticular o passado com o presente e futuro.

A CAPITAL. Como está hoje a província em termos de desenvolvimento? Há quem tenha escrito, tempos atrás, que Benguela mais se parecia a um sapato velho. Estará, de facto, a província próximo disso?
J.P. Fico preocupado com as perguntas porque cada uma exigiria uma enorme explanação. Sempre se tenta simplificar as coisas. Como respondi à pergunta anterior devemos sempre analisar facto por facto.

Por exemplo nos últimos dias, tanto Lobito como Benguela, é um corre-corre. As empresas responsáveis por reabilitar as vias de comunicação e os espaços para peões, quase que não dormem. Nunca se sabe por onde pode passar. De manhã passas numa rua que à tarde já está fechada. E assim se vai. O interessante (não sei mesmo se é assim tão interessante) é que se liga muito este corre-corre com a própria ponte da Catumbela. Poderíamos perguntar: Que relação existe entre estes dois fenómenos? É que na realidade o povo comenta que este corre-corre tem a ver com a inauguração da ponte da Catumbela que será feita pelo Sr. Presidente da República. E assim vamos nós.

A CAPITAL. A propósito da questão do jardim, a sua reabilitação constituiu, na verdade, uma prioridade na província?
J.P. Volto a dizer que os jardins e espaços verdes nas zonas urbanas e/ou urbanizadas devem constar como prioridades tal como a qualidade das estradas e pavimentos para os peões. Mesmo como escolas ou hospitais. Representam qualidade de vida! Precisamente o grande defeito dos actuais processos de urbanização é a ocupação dos espaços verdes e espaços públicos em favor do betão (e do privado!).

A ausência de planos directórios participativos trazem (e estão a trazer) sérias deformações urbanísticas e arquitectónicas. Não podemos pensar numa cidade sem jardins, espaços verdes e outros espaços públicos (como feiras).

Por exemplo, preocupa-nos bastante que tudo aquilo que poderia significar qualidade de vida, quando devidamente gerido, como exemplo as feiras, seja engolido em favor de interesses tão particulares como hotéis de luxo ou centros comerciais. A feira do Lobito e (aparentemente) o Cinema Flamingo (também do Lobito) são exemplos concretos do que acabo de expor. A privatização de toda a faixa litoral pode marcar um verdadeiro processo de exclusão.

Não podemos imaginar nunca um processo de desenvolvimento arquitectónico e urbanístico se este não toma em conta a estética, a cultura, o passado, o presente e o futuro, a inovação e a criatividade. Se não tomar em conta a fluidez, a harmonia, a abertura e a inclusão. Se ele apenas se encerrar na ambição desenfreada do lucro e da perspectiva insensível e grotesca.

Porque agora me lembrei (e isto é incrível que tenha levado tanto tempo para fazê-lo), o símbolo do Lobito é o flamingo cor-de-rosa. Possivelmente jamais veremos o tal flamingo, porque a corrida desalmada ao lucro está a fazer desaparecer todos os restos de mangais que ainda nos sobravam. O habitat do flamingo e o respirador do oceano está a ser engolido pelas máquinas. Quem se vai responsabilizar por este futuro que estamos agora a “des”construir?

Possivelmente poderemos no futuro delinear um projecto de importação de flamingos cor-de-rosa e depois colocá-los em gaiolas na entrada da cidade, para mantermos o seu símbolo.

A CAPITAL. Fala-se de uma espécie de migração de capitais para a província, com membros do Governo a adquirirem largas propriedades, residências, edifícios e tudo o mais quanto seja de valor. E isso é verdade?
J.P. Na realidade (já o tivera dito) não fico a olhar quem é o dono de quê, mas na realidade se é isso que acontece (serem os membros do Governo a adquirirem tudo), então estamos perante uma imiscuidade perversa.

A CAPITAL. A disparidade, entre ricos e pobres, é também notória nessa província? Como a descreve?
J.P. Para além da disparidade exageradamente perceptível entre ricos e pobres, o que mais preocupa é o facto de que esses ricos tenham uma protecção especial. Por causa dos seus interesses egoístas se fazem interpretações maliciosas da lei.

Por exemplo, o Bairro da Damba Maria (que está dividido entre o Lobito e Benguela), com uma população estimada em 35000 pessoas, passou a estar encaixado numa área de reserva fundiária do Estado. O que isto significa? Afinal o que é uma área de reserva fundiária do Estado? Quando e em que condições se pode (e se deve) delimitar uma área como sendo reserva fundiária do Estado? Ali não existem quaisquer reservas minerais nem existe qualquer plano público de desenvolvimento (por exemplo a construção de um aeroporto, de uma auto-estrada, de uma central eléctrica). Então qual é a razão de aquilo ser considerado uma área de reserva fundiária do Estado?

Ali vivem milhares de pessoas, há dezenas e dezenas de anos. Apenas receberam uma informação de que não podiam mais enterrar os seus mortos no seu cemitério local. Sem qualquer explicação, nem argumento. Apenas afixaram (há não muito tempo) um placar onde se pode ler que tal área é uma reserva fundiária do Estado e mais nada.

Grande parte daquelas pessoas vieram deslocadas de outros municípios (essencialmente Chongoroi). Já sofreram um desalojamento forçado por causa da guerra e agora estão na eminência de sofrerem outro desalojamento forçado por causa da paz.

Isto é brincadeira e abuso. Considero um verdadeiro desrespeito pela dignidade humana. Não aceito nem nunca poderia aceitar tal facto. Contesto e (por isso mesmo) me envolvo em todas as acções que impeçam o desalojamento daquela comunidade. Antes pelo contrário, sinto-me na obrigação de exigir que se respeite os seus direitos e se desenvolvam (ao contrário do seu desalojamento) projectos de desenvolvimento local que beneficiem, antes de mais, aquelas famílias.

A CAPITAL. Como analisa a vida social na província? De que mais carece a população de Benguela?
J.P. A maior carência da população é a ausência de espaços de participação e de cidadania. As pessoas não são envolvidas nem informadas sobre os processos de desenvolvimento (mais de crescimento, no nosso caso).

O velho hábito de que apenas um decide (o chefe) ou o seu grupo, e todo o resto apenas tem que cumprir, agradecer e bater palmas, continua, no meu entender, a ser o maior obstáculo de desenvolvimento duma democracia participativa.

À parte desta enorme carência, os planos de crescimento apenas tomam em conta os interesses privados.

A CAPITAL. Já há ricos de verdade em Benguela, os que por ali se passeiam são, digamos, importados de Luanda?
J.P. Na realidade não fico a olhar para ver passar os ricos. Nem tão pouco me perco a tentar perceber se são de fabrico local ou importados da capital (ou mesmo do estrangeiro). O que tento ver (e sentir) são os factos. O que me preocupa é o que se faz a nível de política em defesa da maioria.

Claro que me preocupa o facto do Hospital Pediátrico já ter dono. Que não se saiba para onde transferir aquele estabelecimento hospitalar. Que as crianças estejam hoje (naquele hospital) em péssimas condições. Que não se pense em tudo isto, me complica, mas não tanto “quem é o presumível dono” da pediatria.

Preocupa-me bastante que tenhamos hoje a maioria das nossas praias (Lobito) privatizadas, mas não tanto com quem são os seus donos.

O que está em causa é todo o processo. No entanto, é óbvio, que se este processo é resultado de facilidades que as pessoas ou grupos ligados a diferentes áreas do poder têm em detrimento da maioria, me preocupa. Porque este processo relaciona-se ao uso e abuso desse mesmo poder.

Por exemplo a eminência de se vir a perder o último espaço público (a Feira do Lobito) em favor de interesses privados e exclusivistas, me preocupa e me exige intervir até ao final. Me obriga a ser cidadão e defender por todas as formas legais para que tal não aconteça.

Não poderei nunca aceitar que continuemos sem um plano directório participativo para o desenvolvimento do Lobito.

A CAPITAL. Como avalia o trabalho da presente governação, face às suas promessas relacionadas, sobretudo, com a luta contra a corrupção?
J.P. Penso que a presente governação tem muito a fazer. Acredito que esta governação representa (sistematicamente) interesses muito exclusivistas e oligárquicos. Lembro-me (cada vez mais) do tempo em que cresci na OPA (depois do 25 de Abril de 74 até pouco depois da independência) em que aprendi a respeitar valores que agora vejo a serem sistematicamente espezinhados. Continuo a acreditar no papel importante do operário e do camponês. Lembro-me até de ter ouvido naquela altura que se tinha que partir os dentes à burguesia.

O que é certo é que essa mesma burguesia foi crescendo e foi ocupando todo o espaço político, económico e social. Hoje só se fala do empresariado. Não tenho nada contra o empresariado. Só que não acredito que seja (só) o empresariado (honesto) a resolver os problemas do país. Ele tem interesses específicos. Procura o lucro. E seremos santos demais se acreditarmos que ele (o empresariado) seja o santo milagroso. Acredito cada vez mais que precisamos de alternativas ao sistema capitalista. Acredito na economia solidária. Acredito que não podemos continuar a pensar que o patrão seja o salvador.

Todo este sistema capitalista em que nos encontramos fundamenta-se precisamente na corrupção, ou seja, o nosso dia-a-dia é a corrupção. Que adquire os contornos mais subtis e camuflados.

Acho que nesta questão de corrupção também temos (enquanto cidadãos) responsabilidades. Por um lado exigir as tais medidas contra a corrupção, mas por outro mudarmos o nosso próprio comportamento. Nós somos vítimas e promotores (ao mesmo tempo) da corrupção. Da mentira. Do roubo. Valores que sobrepuseram-se à lealdade, à verdade, à solidariedade.

Quando eu era miúdo (mais miúdo) se chegasse a casa com um pau de giz da escola, de certeza que a minha mãe me iria perguntar de onde eu tinha trazido aquilo e me obrigaria (pelo menos) a levar de volta no dia seguinte. Hoje se o nosso filho trouxer 3 portas e duas carteiras da escola, somos é capazes de perguntar se não havia mais nada para trazer! Se só havia aquilo!

Se isto é verdade, também temos que perguntar: que exemplos temos?

Acredito que muitas das vezes, o polícia que bate, rouba ou mata uma zungueira, tem uma esposa, uma irmã, uma filha ou uma mãe que também é zungueira. E quando maltrata a zungueira não se dá conta que poderia estar a maltratar a sua esposa, sua irmã, sua filha ou mãe! Acredito que ao termos desaprendido de reflectir sobre o correcto, desaprendemos de fazer o certo.

Claro que não podemos comparar um simples agente da polícia com um membro do governo, da Procuradoria-geral da república, do tribunal ou da presidência. Estes ao aceitarem assumir os seus cargos, fazem-no em nome do correcto, do justo. Embora todos tenhamos a responsabilidade de combatermos (nos outros e em nós) a corrupção, claro que a responsabilidade do governo, da Procuradoria-geral da República, dos tribunais e da Presidência da República é muito maior. Caso contrário, caímos na imoralidade, na impunidade e no descrédito completo. Isto não retira a responsabilidade de cada um de nós, incluindo a do simples agente da polícia. Mas aumenta a responsabilidade no governo, na Procuradoria-geral da República, nos Tribunais e na Presidência da República.

A CAPITAL. Hoje, tantos anos depois, que avaliações faz de programas como o PRUALB e outros tantos que prometiam fazer de Benguela uma cidade melhor? Como está, por outro lado, o projecto Pólo de Desenvolvimento Industrial de Catumbela?
J.P. Acho que hoje a Odebrecht está a fazer o mesmo que o PRUAL: a furar toda a cidade. Se se está a repetir o mesmo trabalho, das duas uma, ou temos muito dinheiro e paciência ou então a qualidade dos trabalhos (nestes projectos) deixam muito a desejar.

Quanto ao Pólo de Desenvolvimento Industrial da Catumbela, me parece que está com algum problema de visão no seu delineamento. Acredito que para já nem todas as terras dessa zona sejam potencialmente agrícolas, mas uma boa parte delas é. Parece-me estranho (e há pouco falámos em desenvolvimento da agricultura) que se coloquem fábricas em cima destes terrenos em vez de batatas.

Por outro lado, parece-me que para as terras que não têm qualquer interesse para a agricultura dever-se-ia dar um destino diferente devido à sua localização. Acredito que a industria deveria estender-se na zona alta da cidade (distante desta e nunca no seu interior) enquanto que aqui (Catumbela) dever-se-iam desenvolver as zonas urbanas residenciais e comerciais.

A CAPITAL. Parece-me haver, todavia, sinais positivos no domínio das pescas e da Agricultura. Existem, de facto, esses sinais? Estes sectores desenvolvem-se, na sua opinião, na velocidade e com a eficiência necessárias?
J.P. É sempre importante clarificarmos o que definimos por desenvolvimento. Para mim, desenvolvimento implica impreterivelmente, participação, cidadania.

Se me disserem que o desenvolvimento da agricultura é a substituição dos camponeses pelos latifundiários, então eu direi imediatamente que não concordo. Se me disser que o desenvolvimento da agricultura é termos um sector do grande empresariado forte, não acredito. Se me disser que desenvolvimento é a ocupação de milhares de hectares por um indivíduo ou por um pequeno grupo de indivíduos, eu não acredito.

Para falarmos em desenvolvimento da agricultura não podemos deixar de pensar no (verdadeiro) investimento no camponês. Não falo do camponês num sentido abstracto mas real. Sempre contestei essa perspectiva e foi uma das razões que levou o Sr. Isaac dos Anjos (ainda como Vice Ministro da Agricultura) a convidar-me a demitir-me do Ministério da Agricultura.

Quando falei do caso da Damba Maria, frisei que grande parte daquela população vive da pesca. Pode-se falar em desenvolvimento quando se põe em risco estas pessoas, podendo vir a deslocá-las para outras áreas? Na feira do Lobito vivem alguns antigos combatentes e que beneficiaram de uma formação profissional na área das pescas (porque exercem esta actividade) e foi-lhes prometido meios para melhorarem a sua actividade, nomeadamente barcos. Até hoje continuam à espera, depois de se ter gasto dinheiro dos cofres do estado (de todos nós) na sua formação. Considera isto desenvolvimento?

A CAPITAL. Consegue desenvolver, sem qualquer tipo de pressão, a sua actividade de activista cívico?
J.P. É claro que não. A actividade de activista cívico implica pressão sobre comportamentos, poderes e interesses. E é evidente que esses comportamentos, poderes e interesses não têm qualquer interesse de sentir tal pressão. A nossa actividade impõe mudança e, as mudanças resultam sempre de reacções. Acção – reacção.

Se um determinado jogo está viciado e se pretendes mudar tal situação, exigir que se cumpram as verdadeiras regras do jogo, os jogadores que viciam as regras vão resistir à mudança, porque sabem (pensam) que só ganham caso persistir o jogo viciado. Não acreditam nas suas capacidades de jogador. É um sintoma de jogador fraco. Porque se ele for um bom jogador, antes pelo contrário, vai ser ele a exigir que se jogue de acordo às regras.

O adultério das regras normais da nossa vivência e convivência é um propósito dos desonestos e incapazes. É um sintoma de fraqueza. De falta de autoconfiança.


A CAPITAL. O que pensa sobre: A educação no país?
J.P. Própria para mantermos a continuidade de uma sociedade irreflectida, repetitiva, competitiva e submissa. Trabalhei bastante tempo no tema da educação. Fui coordenador da Coligação “ENSINO GRATUITO, JÁ!”. Acreditava piamente que a grande batalha a enfrentar era o acesso de todos à escola. Desenvolvemos muitas acções nesse sentido. Entendíamos que a falta de gratuitidade (concreta) do ensino de base era um entrave sério a tal acesso. Acreditava simplesmente “na escola”. Hoje questiono: Que escola? Esta?

A escola e a comunicação social são, no meu entender, as pedras basilares da cidadania. A adulteração destes espaços, são instrumentos fortes para, até (em muitos casos), manterem-se ditaduras.

Aqui gostaria de transcrever-vos o ponto 1 da Observação Geral N.º 13 (O Direito à Educação – artigo 13) do comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais:

“A educação é um direito humano intrínseco e um meio indispensável de realizar outros direitos humanos. Como direito do âmbito da autonomia da pessoa, a educação é o meio essencial que permite a adultos e menores marginalizados economicamente e socialmente sair da pobreza e participar nas suas comunidades. A educação desempenha um papel decisivo na emancipação da mulher, na protecção das crianças contra a exploração laboral, o trabalho perigoso e exploração sexual, a promoção de direitos humanos e a democracia, a protecção do meio ambiente e o controlo do crescimento demográfico. Está cada vez mais aceite a ideia de que a educação é um dos melhores investimentos financeiros que os Estados podem fazer, mas a sua importância não é unicamente prática pois dispor de uma mente instruída, inteligente e activa, com liberdade e amplitude de pensamento, é um dos prazeres e recompensas da existência humana.”
Poderemos agora perguntar: É esta a escola que temos?

O Estado angolano tem a responsabilidade de fazer circular entre todos nós cidadãos, esta informação. Aconselho a lerem os tratados internacionais de direitos humanos dos quais Angola faz parte e as suas observações gerais, observações a Angola, etc. O Estado angolano por e simplesmente se esquiva a divulgar tal informação. É a sua primeira responsabilidade a nível de educação.

A CAPITAL: As eleições presidenciais?
J.P. Esta é uma das questões que nos preocupa a todos. Aqui poderíamos abordar duas coisas: O quando e o como!

Falando do “quando”. Me parece que o adiar das eleições presidenciais é um forte desrespeito a todos nós. Nem sequer entendo porque é que ainda não se marcaram as datas das eleições presidenciais. O que se está à espera?! Está-se a relacionar a marcação da data das eleições presidenciais com a aprovação da nova Constituição. Penso que se devem considerar como sendo dois processos independentes e por isso me parece demasiado forçado tentar-se relacioná-los.

Falando agora do “como”. Parece que o Sr. Presidente da República tem vindo a expor a possibilidade de se virmos a ter eleições indirectas. Parece-me mesmo que voltou a fazer tal referência aquando da visita a Angola do Sr. Presidente da África do Sul. Acho que todos nós temos o direito de ter as nossas opiniões e neste caso o Sr. Presidente tem esse direito. No entanto não pode impor-nos as suas ideias sobre este assunto. Se o Sr. Presidente da República acha que deve mudar-se o sistema de eleições para o cargo de Presidente da República então faça uma auscultação a todos nós. Pergunte-nos, faça-se uma auscultação massiva.

A CAPITAL. Considera uma figura avessa ao regime?
J.P. Na realidade esta questão acarreta em si algo de muito subtil. Eu considero-me, antes de mais nada, um activista e defensor dos Direitos Humanos. Acredito no respeito pela dignidade humana; na inclusão e solidariedade social; na liberdade de expressão; na transparência e equidade; e ainda na participação, tolerância, pacifismo e não-violência.

Por isso não me considero uma figura avessa ao regime. Considero-me, isso sim, a favor de uma sociedade mais justa.

A defesa da dignidade e dos direitos humanos, muitas vezes traz esse tipo de interpretação, principalmente a pessoas menos atentas. Rotula-se com facilidade os activistas de direitos humanos como sendo anti-regime, contra o governo e mesmo como “terroristas”.

Não perco tempo a analisar esse tipo de conotações. Acredito que mantendo-me fiel ao meu ideal, contribuo para a construção de uma sociedade melhor. Onde na realidade se respeite o plasmado na lei. Onde ninguém se possa considerar acima dela, nem tão pouco tratar os outros fora dela.

Eu não analiso as pessoas, mas os seus actos. Não lhes vejo cores partidárias, nem de qualquer outro tipo. Apenas posso ou não estar de acordo com certos procedimentos e/ou comportamentos levados a cabo por certas pessoas.

Acho que vivemos num país cujo sistema político, económico e social não tem tomado em conta a maioria dos angolanos. Antes pelo contrário, viola constantemente os direitos destes mesmos angolanos. Acredito que todo este contexto é da responsabilidade de todos nós. É obvio que o presidente da República, os deputados, os juízes, os membros do governo têm responsabilidades acrescidas que não podem marginalizar-se, mas assumi-las.

Não sou generalista. Embora considere a existência sistemática de violações não deixo de reconhecer que tivemos enormes avanços. Apenas considero que os avanços (mesmo que possam ser considerados enormes) não são suficientes nem completamente satisfatórios para a maioria dos angolanos. Podia-se (e devia-se) ter feito mais. Muito mais! Em alguns aspectos houve retrocessos, falando de direitos humanos.

A CAPITAL. Qual a sua opinião sobre o trabalho da sociedade civil angolana?
J.P. A sociedade civil angolana não é homogénea. É difícil generalizar. Existem vários tipos de organizações da sociedade civil, com várias missões, com diferentes visões, estratégias de intervenção, área temática e/ou geográfica, etc, etc.
Por isso temos na sociedade civil um pouco de tudo.

A CAPITAL. É possível, para si, ganhar a vida ccom dignidade sem estar preso a um comité de especialidade partidário?
J.P. Ainda não ouvi falar de comité de especialidade partidário a nível das associações da sociedade civil, pelo menos naquelas que defendem e promovem os direitos humanos.

A CAPITAL. Qual a sua opinião sobre o debate constitucional?
J.P. Acho importantíssimo abordarmos este assunto. Para mim, acho mesmo estranho que se programe o período de auscultação da população em relação à futura Constituição, seja em Janeiro e Fevereiro de 2009. Precisamente a altura do CAN. Posso perguntar, afinal vamos ser ouvidos para a Constituição ou vamos dar atenção ao CAN. E mais, enquanto que para o CAN há toda uma máquina publicitária montada, milhões de dólares gastos em novos estádios de futebol, etc., etc., sobre o processo constituinte ainda não ouvi dizer nada sobre os gastos do governo para essa auscultação.

Em primeiro lugar considero que 2 meses é insuficiente para se fazer uma verdadeira auscultação. Em segundo lugar considero que não é boa ideia (a não ser que tenha sido propositadamente) coincidir a auscultação da Constituição com o CAN!
A CAPITAL. Como vê Angola nos próximos 10 anos?
J.P. Com bastante optimismo. Prevejo uma sociedade mais justa.
Entrevista feita por José Patrocínio ao jornal A CAPITAL e publicada na sua edição N.º 370 de 29 de Agosto a 05 de Setembro de 2009.

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