28/05/2010

QUEM ANDA A BRINCAR CONNOSCO (Fernando Pacheco)

Transcrevemos com a devida autorização do autor, o texto publicado em Abril no Africa 21

CRÓNICA DA TERRA
Quem anda a brincar connosco?

Em 2006 o MPLA propôs aos angolanos uma Agenda Nacional de Consenso com as grandes opções de política para um período de cerca de 20 anos. A ideia era boa. Contudo, o modo como decorreu o processo de consulta a outras forças políticas e sociais não foi o melhor. Como referi em crónica anterior, o MPLA não tem muita habilidade para conseguir consensos, dando de barato o que é secundário e impondo a sua ideia em relação a questões fundamentais. Boas experiências de busca de consensos existem em Angola, quer protagonizadas por instituições do Estado, quer por organizações da sociedade civil. Desse modo, aquilo que poderia ser um projecto nacional inovador e mobilizador para a reconstrução e o desenvolvimento do país, transformou-se no programa de acção do governo, ou do executivo como reza a nova Constituição, de certo modo desgarrado, que, a caminho de dois anos após as últimas eleições legislativas, tem imensas dificuldades em projectá-lo na vida do cidadão comum.

Vários foram os temas evitados pela Agenda Nacional de Consenso. O mau hábito de se ver por todo o lado a mão do inimigo impede o MPLA – e outros partidos e organizações e instituições, convém esclarecer – de ouvir e valorizar as vozes independentes do país. Um desses temas foi a corrupção, que só foi recuperado pelo Presidente do MPLA no final da campanha eleitoral de 2008 e, com mais acutilância, por ocasião do congresso do MPLA de Dezembro último. Porque o assunto não foi debatido como se impunha, hoje o MPLA e o Governo mostram penosas dificuldades em lidarem com ele, e muito mais em encontrarem estratégias para a implementação do combate a esse mal, agora traduzido no slogan da Tolerância Zero e na aprovação da Lei da Probidade. Como é tradição em Angola as pessoas não acreditarem no cumprimento das leis – desde a antiga Lei Constitucional ao Código de Estradas, passando pelo Orçamento Geral do Estado – o cepticismo e a indiferença parecem ser os sentimentos dominantes entre os cidadãos comuns.

Mas as dificuldades porque atravessa o Executivo não se restringem ao dossiê corrupção. As queixas sobre a “paralisação” da economia e do país, apesar de exageradas, atravessam quase toda a sociedade. Tal como aconteceu com as sequelas do colonialismo e com a guerra, a crise económica internacional é chamada a pagar a factura. Mas o problema é mais grave e tem a ver com a ausência de métodos de governação eficazes e de estratégias adequadas para a implementação das políticas.

As promessas eleitorais do MPLA e as metas assumidas para os quatro anos de legislatura foram consideradas irrealistas por observadores independentes. Desde logo, o desejo de modernização acelerada. Angola não tem condições para enfrentar tal desafio. Isto quer dizer que não temos recursos humanos nem organização – traduzida no generalizado défice de funcionamento das instituições e das empresas – para tal empreendimento. Infelizmente, a propaganda está a incutir na mente dos angolanos a ideia de que podemos dar passos maiores do que aqueles que as nossas pernas permitem, e se há muitos irresponsáveis que alimentam a ilusão, outros acreditam piamente que isso é possível, e quem argumenta em sentido contrário é visto como quem não quer o progresso dos angolanos.

Mas o certo é que os anos vão passando e as coisas não andam como se pretende ou, pelo menos, como deveriam andar. O estabelecimento de desafios sem base realista, e muito menos científica, explica em grande medida as distorções que o nosso crescimento económico e social enfrenta e vai continuar a enfrentar se persistirmos em caminho tão enviesado. Exemplos nos mais diversos sectores não faltam para ilustrar as minhas afirmações. Mas limitar-me-ei ao domínio de um dos meus campos profissionais.

Em Maio de 2008, após a realização da Conferência do MPLA, procurei demonstrar num artigo, com números, que as metas estabelecidas para a agricultura não faziam o menor sentido. Não sei se os responsáveis do MPLA e do Governo para a política económica leram o tal artigo, mas se não o fizeram deveriam tê-lo feito, não porque ache que as minhas ideias são as melhores, mas porque sou um dos poucos profissionais de agricultura que expõe publicamente as suas ideias, que naquele caso não coincidiam com as do anunciado programa. Não tenho conhecimento de qualquer debate que tenha ocorrido fora do partido sobre a viabilidade das referidas metas, e comigo ninguém contactou para perceber os meus argumentos. Em Dezembro de 2009, o congresso do MPLA ratificou as metas. Uma delas dizia que Angola produziria em 2012 cerca de 15 milhões de toneladas de cereais. Acontece que a produção de cereais de 2009 pouco ultrapassou o milhão de toneladas, o que representa um acréscimo inferior a 10% em relação a 2008, incremento esse que se vem mantendo mais ou menos constante nos últimos anos. Só um milagre poderá fazer com que a produção de cereais aumente quase 15 vezes em 2012 em relação a 2009. A não acontecer o milagre, alguém anda a brincar connosco.

Li, no semanário Expansão de 19 de Fevereiro deste ano, que o investimento privado na agricultura representou apenas 2% do investimento total em Angola em 2009. Segundo o responsável da Agência Nacional de Investimento Privado, que foi antes Ministro Adjunto do Primeiro Ministro, “as causas que explicam a retracção da agricultura não estão claras” e que “é preciso estudar este fenómeno”. Chegar a esta conclusão é, na minha opinião, um passo, mas uma pergunta se impõe: se não estão estudadas as causas, porque é que se insiste em definir metas absurdas e seguir um caminho que não dá garantias? Porque não tem havido humildade e bom senso para se discutir abertamente este tipo de assuntos? Independentemente de estudos que se possam fazer – e, felizmente, alguns estão a ser feitos –, já há uma certeza: os investidores privados não põem o seu dinheiro na agricultura por alguma razão. Ao contrário daqueles que investem em seu proveito com o dinheiro público.

Fernando Pacheco, 17 de Março de 2010

Coordenador do OPSA

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