23/06/2010

ADIADO JULGAMENTO DOS DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS EM CABINDA

O julgamento dos três defensores de direitos humanos previsto iniciar hoje (23 de Junho) em Cabinda, foi adiado para 12 de Julho de 2010.

Esta decisão está ligada ao facto dos advogados dos réus, terem apresentado uma contestação onde aclamam à inconstitucionalidade da acusação e, por tal facto, ter-se remetido o referido processo para o Tribunal Constitucional para análise.

A inconstitucionalidade invocada prende-se com o facto dos arguídos virem a serem acusados de terem cometido o crime de outros actos contra a Segurança do Estado, p. e p. pelo art.º 26.º da Lei n.º 7/78, de 26 de Maio ─ Lei que insere várias disposições respeitantes à Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado.

Nos termos do referido artigo, “ Todo e qualquer acto, não previsto na lei, que possa pôr em perigo a Segurança do Estado, será punido com a pena do n.º 5 do art.º 55.º do Código Penal”, ou seja, com pena maior de 2 à 8 anos.

Ora, esta norma contende, desde logo, com o próprio espírito que norteou a elaboração e aprovação da Lei n.º 7/78, ou seja, que “as condutas que atentem contra a Segurança do Estado sejam definidas com a maior precisão na lei pena…” (n.º 2 in fine do Preâmbulo à referida Lei).

Mas esta norma fere sobretudo os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal, em vigor no ordenamento jurídico da República de Angola, introduzidos com a aprovação da Lei N.º 23/92, de 16 de Setembro, designadamente os princípios da legalidade, da tipicidade e da não-retroactividade.


Argumentam ainda que segundo o princípio da legalidade, só a lei é competente para definir crimes e respectivas penas.

De acordo com o princípio da tipicidade, a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime, bem como tipificar as penas.

Em conformidade com o princípio da não retroactividade, a lei não pode criminalizar factos passados nem punir mais severamente crimes anteriormente praticados.

Chamam ainda à atenção para o facto de que o art.º 36.º, n.º 3 da anterior Lei Constitucional estipulava que “Ninguém pode ser condenado por crime senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão…”, ou seja, não há crime sem lei anterior que o classifique como tal.

Por seu turno, o art.º 65.º, n.º 2 da nóvel Constituição da República de Angola adopta precisamente a mesma redacção do art.º 36.º, n.º 3 da anterior Lei Constitucional, rezando que “ Ninguém pode ser condenado por crime senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão…”.

Pelo que se conclui que o art.º 26.º da Lei n.º7/78, de 26 de Maio é, à todos os títulos, uma disposição que enferma de inconstitucionalidade orgânica e formal, contrária, portanto, à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento, designadamente, o primado da Constituição e da lei.

Os defensores de direitos humanos , Raúl Tati, Francisco Luemba e Belchior Lanso Tati, estão detidos desde Janeiro último.

A Human Rights Watch exigiu hoje (23 de Junho de 2010) que o governo de Angola retire as acusações criminais levantadas, por motivos políticos, contra três conhecidos activistas cívicos, que vão a julgamento no dia 23 de Junho de 2010 em Cabinda, a província angolana rica em petróleo.

Por outro lado, a OMUNGA distribuiu um comunicado onde lembra ao executivo angolano o respeito pelos compromissos assumidos a 10 de Junho de 2010 no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, quando aceitou a recomendação de manter um diálogo aberto com os defensores dos direitos humanos, em particular em Cabinda, onde, na sequência do recente e deplorável ataque contra a equipa de futebol togolesa, os defensores dos direitos humanos parece terem sido detidos sem evidência de sua cumplicidade.

Já a Conectas Direitos Humanos endereçou uma carta ao presidente Lula da Silva onde solicita que durante a visita do Exmo. Sr. Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, o governo brasileiro inclua os direitos humanos na agenda e reforce a importância da implementação das recomendações aceitas por Angola na ONU, fazendo referência ao diálogo aberto com os defensores de direitos humanos e garantir sua proteção, especialmente na província de Cabinda.

Ainda sobre a matéria podes aceder http://www.publico.pt/Mundo/julgamento-de-activistas-de-cabinda-adiado-para-julho_1443292

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