26/07/2012

GOVERNO CONSTROI NA DESTRUIÇÃO DA DIGNIDADE?

REFª: OM/  190  / 2012
Lobito, 25 de JULHO de 2012

C/c: Administrador municipal do Lobito – LOBITO
      Comissão de Moradores do 27 de Março (frente ao Politécnico) – LOBITO
      Moradores do 16 de Junho – LOBITO

Ao Exmo. Sr.

Governador Provincial de Benguela
Sr. Armando da Cruz Neto

                        B E N G U E L A

ASSUNTO: PROJETOS DE ASSENTAMENTO DAS COMUNIDADES DO 16 DE JUNHO E DO 27 DE MARÇO (frente ao Instituto Politécnico) - LOBITO

As nossas cordiais saudações.
Como é do vosso conhecimento, a OMUNGA tem vindo a acompanhar os processos de desalojamento, deslocamento e assentamento de várias comunidades na província de Benguela e não só. Entre elas, a OMUNGA tem dado especial destaque, a nível do Lobito, às ações da Administração Municipal do Lobito e do Governo provincial de Benguela, em relação aos moradores de rua (comumente designados por “sem abrigo”) e a comunidades vítimas ou ameaçadas de demolições e/ou desalojamentos forçados.
Nesta conformidade, queremos expressar o nosso reconhecimento pelo envolvimento directo do Exmo. Sr. Governador Provincial de Benguela, em várias ações que se referem ao direito à habitação. Não queremos dizer que concordamos completamente com as medidas adoptadas, mas revelam, à partida, mudanças substanciais de comportamento de governantes se compararmo-las com as adoptadas pelos Governadores provinciais da Huila e de Luanda, como exemplo, embora saibamos que muitos outros tenham cometido os mesmos gravíssimos erros e crimes.

16 DE JUNHO
HISTORIAL
Historial antigo, iniciado em finais dos anos 90. Dezenas de crianças viviam e sobreviviam nas e das ruas do Lobito. Para além da grave discriminação, este grupo de crianças vivia o completo abandono por parte das instâncias públicas. Pior, sofria a própria violência dos servidores públicos. Desde prisões, abusos, agressões físicas, roubos, violações sexuais até assassinatos.
O desrespeito incluia o cinismo da falta de acesso aos serviços públicos como saúde e educação. Eram desrespeitados em vida, sem possibilidades de ter documentos de identidade, como na morte, atirados a valas comuns em tratores.
Depois de bastante luta pelo respeito pela sua dignidade, a Administração Municipal do Lobito, reservou-lhes um terreno em pleno centro da cidade do Lobito. Designou-o como “Pousada da Criança”.
Tomando em conta a importância económica e estratégica do terreno, iniciou-se uma luta pela defesa do espaço. As tentativas de invasão e ocupação policial forçadas foram várias, sob ordens da Administração. Os adolescentes organizaram-se e reagiram, resistindo às diferentes investidas. Içaram a bandeira de Angola. Fizeram-se ouvir das diferentes formas e em diferentes lugares do país e do globo.
Sob promessas, depois de visitas de delegações do governo central, a Administração municipal conseguiu deslocar parte desta comunidade para a zona alta da cidade, o designado 16 de Junho, no Bairro do 27 de Março. Colocou-os em tendas como se fosse temporariamente.
Durante a primeira audiência que o coordenador da OMUNGA manteve com o Governador da Província, Armando da Cruz Neto, este assumiu que o governo não se responsabilizaria por estas pessoas a não ser colocando-as na cadeia ou no centro de reabilitação. Eram simplesmente delinquentes.
A luta destes jovens, pelo respeito da sua dignidade, continuou. Com eles, a OMUNGA desenvolveu todos os esforços para dar visibilidade à gravíssima violação dos seus direitos. Fizeram-se relatórios, cartas, audiências, convidaram-se embaixadores, como o da União Europeia e o dos Estados Unidos, jornalistas e líderes políticos.
No final de 2011, organizaram-se atividades naquele espaço, dentro do OKUPAPALA e a comunidade convidou o Governador provincial para que os visitasse em Dezembro.
Armando da Cruz Neto não só aceitou o convite como iniciou um conjunto de ações para melhoria das condições desta comunidade. O primeiro passo foi a construção de um balneário e a proibição definitiva de vendas de terrenos naquela área.
Entre Junho e Julho, arrancaram definitivamente as obras de construção de habitações para estes jovens. Estão em curso a construção de 14 pequenas habitações e arranjo de outras quatro. De acordo ao responsável da empresa no local, está prevista a construção de 44 habitações nesta primeira fase, antes das eleições.
OS FACTOS
Embora se possa considerar como uma mudança importante na vida destes jovens, a construção destas habitações, levanta uma série de graves problemas. Vamos começar pela análise dos factos.
  • 23 jovens da comunidade estão atualmente a prestar serviços na empresa construtora com um salário de 15000,00 Kz mensais (não se sabendo se têm contrato ou não)
  • O número de construções não é suficiente para a dimensão populacional ali existente;
  • A administração não envolveu a comunidade para definir os procedimentos de distribuição das habitações;
  • Cada habitação, apenas possui, em dimensões reduzidas, um quarto, uma sala, uma cozinha e um wc;
  • A altura da construção é reduzida (todos estes factos podem ser confirmados pelas fotos recolhidas no local a 25 de Julho de 2012);
  • O tamanho das janelas é pequeno;
  • Apenas estão garantidas portas para as entradas da habitação, não havendo portas para as divisões interiores, especialmente para o wc;
  • Não se verifica instalação do sistema de abastecimento de água e energia electrica a cada habitação, como não se verifica sistema de esgostos;
  • Estão em construção seis salas de aula;

RECOMENDAÇÕES
O governo da província deve disponibilizar toda a informação sobre o processo de contratação da empresa de construção e orçamento das obras;
Reveja urgentemente as condições de habitabilidade que as referidas construções poderão oferecer;
Instale o sistema de abastecimento de água, eletricidade e de saneamento domiciliar;
Apresente o plano de construção de habitações para os jovens que não serão abrangidos nesta fase de construção pré eleitoral;
Avalie os procedimentos contratuais dos trabalhadores da empresa, especificamente, os jovens moradores contratados temporariamente.
BAIRRO 27 DE MARÇO (DEFRONTE AO INSTITUTO POLITECNICO)
HISTORIAL
Construído sob a orientação da Administração Municipal do Lobito, alberga antigos desalojados de outras áreas, fundamentalmente. Zona com iniciativas próprias, os moradores, na sua maioria, endereçaram processos de construção à administração. Possui aparentemente um plano urbanístico, com arroamentos e espaços claramente definidos pelas construções.
Embora sem qualquer acompanhamento técnico, as obras aparentam ser de caracter definitivo. Localiza-se fora da reserva fundiária do Estado.
Por arbitrariedade governativa, decidiu-se pela demolição sem prévio aviso, das residências e dos alicerces em construção. Houve intervenção da polícia e das máquinas. Os moradores resistiram, organizaram-se.
A persistência dos moradores, ligada à razão da sua luta, mobilizou diferentes estratos da sociedade. A OMUNGA apoiou e apoia a luta destes moradores.
Tal posicionamento levou o Governador Provincial a dirigir-se ao local e confrontar-se com a realidade. Saíram daí promessas. Embora sem tomarem em conta com as exigências e a dignidade dos moradores, as promessas do governador foram já em si consideradas vitórias.
Todo um processo de dar visibilidade à situação, foi realizado. Visitaram o local diferentes entidades, incluindo lideres partidários. O advogado Marcolino Moco deu o seu contributo.
Existem interesses económicos na área, sem serem definidamente clarificados pelo governo provincial. Apenas as residências destas pessoas serão demolidas enquanto as demarcações feitas por “empresários” permanecerão sem qualquer interferência do governo.
No início de Julho, o governo iniciou a construção de 25 casas localizadas na zona do Mbango-Mbango. As mesmas comportam 3 quartos, uma sala, uma cozinha, um wc, uma varanda frontal e um quintal trazeiro.
Depois da reunião na Administração, os moradores apresentaram exigências para a sua transferência, aparentemente aceites, como sejam:
- Abastecimento de água potável canalizada;
- Abastecimento de energia electrica:
- Ampliação para 15 metros de comprimento as áreas trazeiras de cada nova residência;
- Construção de uma escola;
- Construção de posto policial;
- Asfalto da estrada que liga o Mbango-Mbango ao Politécnico;
- Cedência de documentação para todos os demais moradores fora da área de transferência
- Construção de mais 15 residências nesta primeira fase.

OS FACTOS
Embora haja garantia de atribuição de documentação de garante jurídico de propriedade, continua-se a verificar uma série de incumprimentos por parte do Governo provincial. A equipa de coordenação da OMUNGA esteve no terreno a 25 de Julho e pôde constatar:
- As residências em construção são de fraca qualidade, incluindo o sistema de saneamento (fossas), o que representará perdas perante os gastos iniciais feitos pelos moradores nas residências onde habitam ou que constroiem;
- Não se vislumbra a instalação do sistema de abastecimento de água e energia eléctrica. A região não tem pontos de água e energia perto;
- O local é distante e de difícil acesso o que acarretará despesas aumentadas em transporte;
- Não existe qualquer projeto de arborização numa região completamente árida;
- Os trabalhadores da empresa de construção, de nacionalidade chinesa, vivem em condições miseráveis e desumanas, dormindo nas próprias residências em construção, parecendo tráfico de trabalho escravo;

RECOMENDAÇÕES
O governo da província deve disponibilizar toda a informação sobre o processo de contratação da empresa de construção e orçamento das obras;
Reveja urgentemente as condições de habitabilidade que as referidas construções poderão oferecer;
Instale o sistema de abastecimento de água, eletricidade e de saneamento domiciliar condigno;
Apresente o plano de construção para os restantes moradores que não serão abrangidos nesta fase de construção pré eleitoral.
Dê esclarecimentos sobre as condições de contratação de mão-de-obra chinesa e sua legalidade de acordo às leis nacionais e aos tratados internacionais de trabalhadores estrangeiros.
RESUMO
Embora possa parecer existir boa-vontade por parte do Governo da Província, continua a não estarem claras as verdadeiras intenções para o desalojamento das populações do B.º da Lixeira por defronte ao politécnico:
A falta de planos e de envolvimento das comunidades, demonstra, mais uma vez, a incerteza de existirem planos concretos de urbanização social;
A falta de controlo das empresas de construção, realça sérias dúvidas sobre a participação de tais projetos no combate à pobreza e ao desemprego, parecendo, de forma agravante, incentivo ao trabalho escravo e desumano, quer de nacionais como de expatriados;
Os projetos sociais de habitação aqui avaliados parecem verdadeiros atentados à dignidade humana, merecendo urgente revisão.
Nesta conformidade a OMUNGA chama à atenção do Governador Provincial de Benguela para que tome em consideração o aqui descrito no sentido de rever-se urgentemente os projectos supracitados, sob o risco dos mesmos poderem vir a serem inviabilizados pelas instâncias fiscalizadoras.
A OMUNGA irá continuar a desenvolver os contactos com as comunidades no sentido de se estabelecerem os programas negociais com benefícios incontestáveis e não meros programas degradantes e propagandísticos que envolvem recursos de todos os cidadãos (OGE) e que poderão apenas beneficiar interesses privados (das empresas construtoras ou das beneficiárias dos terrenos aproveitados com os desalojamentos).
Sem qualquer outro assunto, gratos pela atenção dispensada e aceite as nossas cordiais saudações.
José António M. Patrocínio

Coordenador
José Gama

(uma das individualidades que testemunhou a vivência no 16 de Junho)
As habitações em construção no 16 de Junho
A escola em construção no 16 de Junho
As casas em construção no Mbango-Mbango para os moradores do 27 de Março (defronte do Politécnico)

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