12/08/2015

OMUNGA EXIGE DEBATE PÚBLICO E LEGISLAÇÃO SOBRE SISTEMA DE "VIDEOVIGILÂNCIA" NAS RUAS


A OMUNGA está preocupada com a possibilidade do Comando-geral da Polícia, por sua exclusiva decisão, começar a instalar o sistema denominado de "videovigilância" nas ruas, inicialmente em Luanda.

Tal decisão baseia-se no facto de que com o mesmo, se vir a combater a criminalidade. Em nome de um medo que nos impingem, sem nos ouvir, ameaçam-nos invadir nas nossas privacidades e restringirem os nossos direitos.

A OMUNGA considera que uma iniciativa como esta, carece do mais amplo debate e da aprovação de uma legislação que permita aos cidadãos sentirem-se realmente seguros e não espiados. Com este sistema, todos nós estaremos sob o olhar silencioso da polícia, sem sabermos para quê e como serão posteriormente utilizadas tais imagens. Seremos assim, perante as "câmaras de vídeo", antecipadamente, todos como potenciais criminosos.

Por tal motivo, a OMUNGA dirigiu uma carta ao Presidente da Assembleia Nacional, com conhecimento aos líderes das bancadas parlamentares, Ministro do Interior e Comandante-geral da Polícia Nacional, com o propósito de chamar à atenção que, antes de mais, os graves crimes que assolam o nosso país, se relacionam com a corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de droga, pessoas e órgãos e escravatura que, em momento algum vemos preocupação em se montar um sistema real que o combata e previna.

Por outro lado, deve ser analisado entre os prós e os contras da eventualidade de tal sistema. Avaliar se valerá a pena perdermos os nossos direitos em nome da segurança. Analisar se realmente um sistema desses, perante o balanço custo-benefícios, será realmente prioritário.

Por outro lado, sabemos que em Angola estamos a viver um agravamento da violação dos direitos fundamentais que passa pela perseguição e detenção arbitrárias de activistas e jornalistas.

A OMUNGA apela a todos os cidadãos, em nome dos nossos direitos, dizer NÃO AO SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA NAS RUAS.

____________________________________________ 

Lobito, 05 de Agosto de 2015
C/c: Líderes das Bancadas Parlamentares - LUANDA
       Ministro do Interior - LUANDA
       Comandante-geral da Polícia Nacional - LUANDA
     
Ao
Exmo. Sr.
Presidente da Assembleia Nacional

LUANDA

ASSUNTO: CARTA ABERTA SOBRE "SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA NAS RUAS DE LUANDA"

É com enorme preocupação e apreensão que acompanhámos através das redes sociais e da mídia de que, o Comandante-geral da Polícia, Ambrósio de Lemos, terá declarado que "ainda este ano arranca a instalação de um sistema de videovigilância nas ruas de Luanda". Tais declarações foram proferidas a 1 de Julho de 2015.[1]

De acordo ainda às informações, "e embora sem adiantar valores, o financiamento público para esta instalação já está garantido e os técnicos vão iniciar em breve os trabalhos com vista à instalação das câmaras de videovigilância, que ficarão ligadas a uma central daquela força de segurança"[2].

Ao mesmo tempo, salientou que possivelmente "este ano começam os trabalhos. Tudo está a marchar nessa direção. Não há nada que diga que há algum impedimento legislativo em relação à instalação das câmaras na cidade de Luanda, para a ordem pública"[3]

Por outro lado, a 28 de Julho, a TPA[4] divulga as declarações de Ambrósio de Lemos, de que uma das rotas de passagem de droga que vem ao nosso país através dos nossos aeroportos, passam por esta fronteira para seguirem para Namíbia e para outros países. A poucos dias foi anunciada a apreensão de cerca de onze quilos de cocaína no aeroporto internacional 4 de fevereiro em Luanda, que se distinava para a Namíbia.”

Ao mesmo tempo, Sebastiam Ndeitunga "gostaria de enfatizar que algumas viaturas roubadas na Namíbia supostamente encontram-se nesta altura  a circular os nossos países vizinhos[5].

Referenciando-nos ao Relatório Global de Tráfico de Pessoas – 2015, de 27 de Julho de 2015, do Departamento de Estado dis Estados Unidos, Angola é porta de entrada e de saída de tráfico humano.[6]

O mesmo relatório aponta para a existência de escravos quer como mão de obra e na prostituição.

No entanto, também nos confrontamos com inúmeros casos de desaparecimentos de cadáveres nas morgues dos hospitais[7], pelo que há que, também, acreditar que haja sérios indícios de tráfico de órgãos em Angola.

No entanto, não nos recordamos em tempo algum, que o Presidente da República se tenha referido a esta trágica situação nos seus discursos na Assembleia Nacional sobre o Estado da Nação.

É verdade que, no Orçamento Geral do Estado de 2015, estão destinados à Segurança e Ordem Pública, 3% do valor global orçamentado. Destes, mais de 50% estão orientados para a rubrica "Serviços De Segurança E Ordem Pública Não Especificados"[8].

Gostaríamos também de dar especial atenção a outros tipos de crimes que muito têm feito manchete na imprensa e redes sociais. que se ligam a crimes económicos e financeiros. Entre os mais mediáticos, ressaltamos o caso BESA[9]. onde milhões de dólares desapareceram. Não vimos qualquer processo onde intervenha a polícia neste caso. Antes pelo contrário, vimos que são os parcos recursos dos cidadãos que vão "resgatar o BESA", com "uma injecção de capital na ordem dos 5,7 mil milhões de dólares" como "garantia soberana irrevogável" por parte da presidência da República[10], sem que isto tivesse sido esclarecido publicamente e perante a Assembleia Nacional, nem ter sido aberto qualquer processo de investigação. Não nos podemos esquecer que, de acordo às informações postas a circular, o procurador Orlando Figueira que investigava o caso BESA "vai trabalhar para o banco BIC, que tem como accionistas Isabel dos Santos"[11]

Já na mesma linha, e recordando notícias recentes, o ex-presidente dos caminhos-de-ferro preso por corrupção em negócio com Angola[12], como a doação da empresa Glinn USA, possivelmente ligada à SONANGOL, ao Comité de Acção Política Bem Comum[13], são outros casos que apontam bastante bem como nada se tem feito neste sentido.

Pelo exposto, é fácil dar-se conta que os principais tipos de criminalidade vividos entre nós, não são combatidos com "sistema de videovigilância nas ruas".

Ainda podemos concluir que o "sistema de videovigilância nas ruas" não previne a criminalidade tipo assassinatos, assaltos, roubos ou espancamentos, mas pode facilitar na identificação do autor do crime. Interessa ainda saber que mesmo que a implementação do "sistema de videovigilância nas ruas" possa limitar a acção de tal tipo de criminosos numa determinada área, onde ele possa estar instalado, vai manter a criminalidade em outras áreas, possivelmente as mais pobres. Sabemos também que, qualquer cidadão que pretenda cometer algum crime numa área onde esteja instalado o "sistema de videovigilância nas ruas", ele vai arranjar mecanismos de disfarce ou persuasão, ou mesmo não vai sentir-se ameaçado. Concluímos este ponto de que não há dados concretos que provem que haja claras evidências de que um "sistema de videovigilância nas ruas" possa realmente combater a criminalidade.

Por outro lado, Ambrósio de Lemos afirmou que "os índices não são alarmantes, diariamente continuamos a registar uma média de 20 crimes/dia e quanto menos delitos houver, melhor para nós e a população está a ajudar, em muitos casos na denúncia de focos delituosos, onde temos actuado"[14]. Neste sentido não se vê a necessidade de se instalar o dito "sistema de videovigilância nas ruas".

Embora Ambrósio de Lemos tenha minimizado o facto de todos e quaisquer cidadãos passarem a ser controlados pelo  "sistema de videovigilância nas ruas" ao declarar, e citamos "Que receio tem o cidadão de uma câmara na via pública? O cidadão honesto não tem que temer absolutamente nada, não vai ficar exposto ou fazer atentado ao pudor"[15], o que é verdade é que tal sistema invade realmente a vida e a privacidade de qualquer cidadão ao considerá-lo, à partida, como um potencial criminoso.

Infelizmente, a divulgação por Ambrósio de Lemos da instalação do referido "sistema de videovigilância nas ruas" coincide com o agravar da repressão e violação dos direitos civis e políticos e das liberdades dos cidadãos em Angola.

É possível, conforme garante Ambrósio de Lemos, que  "não há nada que diga que há algum impedimento legislativo em relação à instalação das câmaras na cidade de Luanda, para a ordem pública"[16] no entanto, um programa destes carece da mais ampla discussão pública começando pela própria Assembleia Nacional e não deixando-o apenas à decisão do Comando-geral da Polícia Nacional.

Nesta conformidade, enquanto parte integrante do Estado angolano, como cidadãos organizados e reconhecidos pela Constituição de Angola e Tratados Internacionais de Direitos Humanos, exigimos do Sr. Presidente da Assembleia Nacional, na base das vossas obrigações, que:

1- Solicite ao Presidente da República que esclareça a real situalção sobre a criminalidade em Angola, conforme os factos que aqui exposemos, na sua próxima intervenção na Assembleia Nacional, sobre o estado da Nação;

2 - Que, neste contexto, traga à discussão na Assembleia Nacional, considerando a necessidade efectiva, a lógica, a ética, os custos e beneficios, os reais interesses e objectivos, sobre a eventualidade da instalação do referido "sistema de videovigilância nas ruas";

3 - Que não possa ser implementado tal "sistema de videovigilância nas ruas", em Luanda ou em qualquer outra parte do território nacional sem uma verdadeira discussão pública e legislada previamente a sua possível, ou não, implementação futura.

Sem qualquer outro assunto de momento, queiram aceitar as nossas cordiais saudações.

José Patrocínio

Coordenador





[1] - ANGONOTÌCIAS, 2 de Julho de 2015: Luanda já tem sistema de vídeo vigilância - http://pt.angolaglobal.com/20150805/luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras-de-video-nas-ruas-lusa/
[2]- dnoticias.pt : Luanda tenta travar criminalidade com câmaras de vídeo nas ruas - http://www.dnoticias.pt/actualidade/mundo/531904-luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras-de-video-nas-ruas?utm_source=auto_rss&utm_medium=facebook
[3] - SAPO : Luanda tenta travar criminalidade com câmaras de vídeo nas ruas - http://www.sapo.pt/noticias/luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras_55c1fca8b35a5caa161ecc11
[4] - TPA, Política, 28 de Julho de 2015: Angola e Namíbia avaliam estratégias de combate aos crimes transfronteiriços - http://tpa.sapo.ao/noticias/politica/angola-e-namibia-avaliam-estrategias-de-combate-aos-crimes-transfrontreicos
[5] - Idem
[6] - REDE ANGOLA. Sociedade, 30 de Julho de 2015: Relatório aponta Angola como origem e destino de tráfico humano - http://www.redeangola.info/relatorio-aponta-angola-como-origem-e-destino-de-trafico-humano/
[7] - ANGONOTÍCIAS, O Povo, 23 de Junho de 2015: Cadáver desaparece da morgue de Luanda - http://www.angonoticias.com/Artigos/item/47312/cadaver-desaparece-da-morgue-em-luanda
[8] - Ministério das Finanças - http://www.minfin.gv.ao/fsys/RESUMO_DA_DESPESA_POR_FUNCAO_2015.pdf
[9] - http://www.youtube.com/watch?v=UufBukScw9E
[10] - DW, Angola, 31 de Julho de 2014: Estado angolano toma em mãos o resgate do BESA - http://www.dw.com/pt/estado-angolano-toma-em-m%C3%A3os-resgate-do-besa/a-17824539
[11] - ASJP, 19 de Fevereiro de 2012: Procurador troca DCIAP por Angola - http://www.asjp.pt/2012/02/19/procurador-troca-dciap-por-angola/
[12] - REDE ANGOLA, 4 de Agosto de 2015: Ex-presidente dos caminhos-de-ferro preso por corrupção em negócio com Angola - http://www.redeangola.info/funcionario-publico-detido-por-corrupcao-em-negocios-com-angola/
[13] - VOA, Notícias, 5 de Agosto de 2015: Republicanos querem investigar doação de empresa angolana a Governador - http://www.voaportugues.com/content/republicanos-quem-investigar-doacao-de-empresa-angolana-a-governador/2900631.html
[14] - ANGONOTÌCIAS, 2  de Julho de 2015: Luanda já tem sistema de vídeo vigilância - http://www.angonoticias.com/Artigos/item/47413/luanda-ja-tem-sistema-de-video-vigilancia
[15] - dnoticias.pt : Luanda tenta travar criminalidade com câmaras de vídeo nas ruas - http://www.dnoticias.pt/actualidade/mundo/531904-luanda-tenta-travar-criminalidade-com-camaras-de-video-nas-ruas?utm_source=auto_rss&utm_medium=facebook
[16] - Idem

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